OS
REBELDES DE ACEH
São 2 horas da tarde, ventos
brandos e mar espelhado. Navegamos a costa noroeste de Sumatra,
a ultima grande ilha ao norte da Indonésia, vivemos novembro
de 2002.
Após três meses de
cruzeiro pelas fantásticas e belas ilhas Mentawai, demandamos
rumo a Tailândia, nosso ponto de chegada, Phuket.
É
hora de carregarmos nossas baterias, para enfrentarmos a noite com
tudo em perfeitas condições. Nosso motor pega mais engasga, em
repetidas tentativas, esta é sempre a constante. Só utilizamos o
motor nestas operações e ancoragens, e nos lembramos de um invejoso
mor no Brasil, que nos questionava se havia acabado o vento de
porão, o que demonstrava ser um total ignorante em vela de cruzeiro,
não se deteve nem um minuto a pensar que se fôramos navegar 30 mil
milhas com diesel teríamos que ser milionários.
Desde as Mentawai, quando adquirimos
o Diesel, que isto vem ocorrendo, o que nos levou a detectar que
o combustível era de péssima qualidade e ainda que
coado e filtrado duas vezes, pelo filtro primário e secundário
a mistura chegava pobre aos injetores.
Como nossa navegação
estimada previa atravessarmos o canal Sumatra / Pulau We, ao anoitecer,
e com as baterias necessitando de carga para as luzes de navegação,
a segurança falou, como sempre, mais alto e a experiência
e o bom senso nos recomendaram fazer um pit stop para acertarmos
tudo.
Assim, optamos por procurar uma
ancoragem, ainda de dia, na ilha de Sumatra, acertarmos nosso motor,
checaríamos tudo e estaríamos preparados para a travessia
Indonésia /Tailandia, cerca de 2 dias e 2 noites, sem problemas,
mesmo porque estaríamos atravessando o famoso Estreito de Málaca.
Acabamos achando uma pequena enseada, bem protegida de vento e
mar, naquelas condições do ano. Uma aldeia de pescadores
e mais acima subindo a montanha um pequeno vilarejo.
Pescadores, homens efetivamente
do mar, são sempre solícitos e prestativos e respeitam
muito os cruzeiristas, principalmente um brasileiro do outro lado
do mundo em suas águas. Isto sempre foi a tônica em
todos os locais que estivemos durante nossa viagem. Quer aqui agora
no Oceano Indico, ou nos quatro anos que estivemos no Oceano Pacifico.
E aqui na Sumatra norte não
seria diferente.
Os pescadores locais, nos orientavam
no melhor local para fundearmos, nos ofereciam algumas frutas e
partíamos para a faina de deixarmos nosso Mister Perkins,
totalmente preparado além de darmos a necessária carga nas
baterias após a limpeza em seus injetores.
Num singelo momento de reflexão,
muito normal aqueles que vivem no mar. E, estabelecíamos
um paralelismo sobre as impurezas, entre a de nosso motor e a dos
homens , nos lembrando que em nossas vidas e relacionamentos estas
impurezas também estão presentes. Vem vestidas com
a roupagem da inveja, orgulho, arrogância, vaidade e maledicência,
que nos obrigam sempre a perdermos preciosas horas e por vezes até
dias, para nos livramos destas, a fim de que nosso espírito possa
estar em paz.
O mesmo acontece com nosso motor,
Mister Perkins, e até confessamos ser bem mais fácil
sua limpeza, pois as impurezas humanas deixam resíduos e
por vezes mudam rapidamente de cabeças.
Esta área que ora navegamos,
desde Bali que éramos sabedores e sugeridos nos afastarmos,
pois na ilha de Similue em frente a Sumatra e ao norte desta há
perigo para os veleiros de cruzeiro. Na primeira, Similue, é
campo de treinamento de radicais muçulmanos o que se leva
a navegar afastado dela pelo menos 20 milhas, caso contrário a navegação
se torna altamente perigosa, pois eles atiram de terra e ainda se
deslocam para afundar qualquer embarcação no seu visual.
Assim, mais de 20 milhas não há problemas.
Já em Sumatra, a conjuntura
bélica é outra. Na província de Aceh, ao norte
de Sumatra, há uma milícia separatista que vem criando
terríveis problemas para o Governo Indonésio. Alavancados
pela independência de Timor Leste tentam o mesmo quebrando
a unidade nacional do pais, que já é um caldeirão
fervente com os problemas internos de corrupção e
radicalismo islâmico.
Em Aceh, sabíamos que correríamos
este risco, todavia analisadas as opções era a única
saída que teríamos.
Ancoraríamos, acertaríamos
nosso Mister Perkins, e ao amanhecer zarparíamos atravessando
o canal e rumando para Tailândia com tranqüilidade.
Nosso programa de trabalho, previa
basicamente, limpar todo o sistema de combustível de nosso
motor, desde a saída do tanque até os injetores. Coisa
aparentemente complicada, porém para nós que já conhecemos
sobejamente nosso motor central o fazemos de forma rápida
e precisa, entretanto necessitamos estar ancorados para realizar
o trabalho com maior precisão e eficiência.
Iniciamos nossos trabalhos por volta
das 17:00 h, e lá por volta da 18:30 h, já ao anoitecer,
ligávamos nosso geradorzinho para fornecer a energia necessária
para a iluminação do campo operatório, não
deixa de ser realmente uma cirurgia.
Foi neste exato momento que fomos
literalmente abordados por uma embarcação pesada a
nosso boreste. Átila vai checar e volta acompanhado por 8 homens
fortemente armados com metralhadoras leves e fuzis tipo FAL.
Estão todos trajando calças
com desenhos de camuflagem e camisas negras. Alguns trazem a testa
lenços vermelhos e a cara não é de muito bons
amigos.
O líder deles, se dirige
a mim seriamente;
―
De onde vocês são e o que estão fazendo aqui???
Respondemos em Indonésio;
―
Somos do Brasil,
e estamos com problemas em nosso motor, como o senhor pode ver,
estamos trabalhando nele!!!!!!
O motor todo aberto já falava
por si só!!!!
De imediato sentíamos o quebrar
do gelo, daquele momento terrível de tensão.
―
Brasileiros, hah, os campeões
do mundo!!!!!!
O Brasil havia sido há poucos
meses atrás o Penta Campeão de futebol e na Ásia e
todos os países da área, ferrenhos torcedores do Brasil.
E, de imediato vem os nomes mágicos;
Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Roberto Carlos e Cafu. Eles sabem
de tudo e conhecem tudo, por vezes até melhor que nós.
Momentos de descontração,
e brincadeira, sorrisos para todos os lados, nos perguntam como
aprendemos a falar o idioma Indonésio. E colocamos ter vivido
cerca de 2 anos em Bali.
A intimidade se faz presente, grandes
papos, e ficamos sabendo da real história de Aceh, e não
aquela vendida a imprensa, não havia nenhum interesse em
se separar da Indonésia, o que se pleiteava era mais atenção
e desenvolvimento para a região, esquecida pelo governo,
e dai as coisas evoluíram. Mortes sanguinárias e gratúitas
de ambos os lados, o radicalismo se fazendo presente e a coisa ganhou
proporções incapazes de serem controladas por um dialogo,
principalmente por parte do Governo.
Dai nos lembramos muito de Antônio
Conselheiro, e sua atuação no sertão do nordeste,
uma terra também esquecida pelo governo.
O papo já está entre
bons amigos, um cafezinho brasileiro rola e temos a idéia
de fazermos até fotografias, que a soldadesca de imediato
topou, o líder é que nos pediu desculpas, mas se no
futuro as imagens eventualmente caíssem nas mãos do
Governo, eles e seus familiares estariam sumariamente mortos.
Entendíamos e saímos
com uma brincadeira que causou a risada geral;
―
Tudo bem foto não dá,
mas arranja uma metralhadora para nós, se encontramos com a milícia
de Aceh, podermos nos defender!!!!!!
O ambiente era de descontração,
demos umas camisas do GUARDIAN, muito bem aceitas, aquelas balinesas,
que os amigos mais chegados do Brasil tem e conhecem e ficou acertado
que pela manhã viriam trazendo Diesel limpo para nós e o Chefão
deles para nos conhecer.
Passavam para a lancha, quando um
deles a pretexto de ter esquecido alguma coisa retorna a cabine
e nos faz um sinal para estarmos com ele, e nos informa;
Ao clarear partam, pois o Chefao
é muito radical e não é gente muito boa, e
já combinaram entre eles que nada seria dito ou relatado
a respeito do veleiro brasileiro.
Trabalhamos até por volta
das 3:00 h da manhã, e ao raiar, com as primeiras luzes do dia,
levantávamos ancora e partíamos céleres.
Do incidente, mais uma vez, se tira
a conclusão, que ser brasileiro nestes países asiáticos,
sempre é um argumento a amenizar situações
difíceis.
Brasileiro é alegre, simpático,
festeiro, bom de papo, e ainda dono do futebol arte, o futebol samba,
que é admirado e copiado por todos os cantos de nosso planeta.
E, na província de Aceh,
com os rebeldes a bordo, o GUARDIAN e sua tripulação,
viviam um momento diferente de sua viagem, diríamos até
um momento histórico, quando mantínhamos amiúde
contato com os guerrilheiros de Aceh.
Meses depois, já em 2003,
o Exército Indonésio, invadia a província de Aceh,
e cerca de 90% destes milicianos rebeldes eram peremptoriamente
eliminados.
E nosso futebol e pais, mais uma
vez nos tirava do sufoco, e rindo comentávamos com o imediato
Átila os acontecimentos, enquanto atravessávamos o canal
de Pulau We, com a grande bandeira do Brasil, obviamente fabricada
pela Banderart, tremulando a nossa popa. E, complementávamos,
colocando o som da “Aquarela do Brasil”, gentilmente
nos ofertado pelo irmão Federico, dando o toque sutil de
velejar com arte, velejar com samba!!!!!!
E vivíamos nossa citação
maior;
―
ACIMA DE TUDO,
BRASIL!!!!!!!!!!!!!!!!
João Sombra
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